BLUES
O Blues, para ser
compreensível, deve ser recolocado em seu contexto real: o itinerário
histórico, psicológico, sociológico do povo negro em terra americana, do qual
foi a expressão privilegiada, seguindo sua evolução e desposando seus
contornos.
O Blues foi a primeira e principal forma
cultural especificamente negro-americana e, enquanto tal foi - como o
povo negro que a criou e até meados dos anos 60 - objeto de desprezo ou de
ignorância dos americanos brancos - apesar de transtornar, por sua incomparável
originalidade, seu vigor e sua riqueza, toda a música americana - antes de
estender-se ao Velho Continente.
Também foi uma das principais fontes de
todos os gêneros musicais americanos: jazz, soul, disco, rock'n roll, uma boa
parte da música pop, da corrente folk urbana os anos 60 e mesmo, de modo
significativo, da música country em todas as suas derivadas - western swing,
bluegrass, rockabilly...
Pouquíssimos artistas
atuais de música popular seriam o que são sem um empréstimo frequente do Blues.
A história do Blues, sua
evolução, suas sucessivas mutações são inseparáveis da longa subida para a
superfície do povo negro americano, para quem, durante várias décadas, o Blues
foi, mais que uma música, seu principal meio de expressão, desempenhando
igualmente, desde então, um papel sociológico e psicológico absolutamente
não-habitual na música moderna do mundo ocidental.
O Blues nasceu como a voz
dos escravos dos campos de algodão do sul dos Estados Unidos. Eles cantavam
durante os trabalhos nas plantações para aliviar a dureza do trabalho.
Há várias versões sobre aquela que é a primeira composição típica de blues, assim como seu primeiro idealizador. Diz a lenda que o autoproclamado "Pai do Blues" W. C. Handy ouviu este tipo de música pela primeira vez em 1903, quando viajava clandestinamente em um vagão de trem e observava um homem que tocava violão com um canivete. Daí teria surgido aquele que é dito como o primeiro blues da história, St. Louis Blues. Porém o mais correto a afirmar é que o blues surgiu de uma forma mais ambiental e progressiva do que uma única canção. De fato, a instrumentalização das work songs (canções de trabalho) foi o marco inicial para o surgimento do blues como estilo de música.
Enquanto os negros soltavam
suas emoções, os brancos viam o lado prático da coisa. Para os fazendeiros, as
work-songs (canções de trabalho) ajudavam a imprimir um ritmo ao trabalho no
campo e deixavam os escravos mais alegres. A partir da década de 1860, os
spirituals - canções religiosas entoadas pelos negros africanos desde sua
chegada à América - sofreram uma mutação fundamental. Além de apelar para Deus,
os escravos começaram a curar suas dores de amor através da música.
Com o início da Segunda
Guerra Mundial, o panorama social começou a mudar nos estados do Sul. Graças à
entrada de negros nos quadros militares, surge uma promessa de integração
racial. Pura ilusão. Encontrando o mesmo cenário na volta para casa, os negros
passaram a se isolar cada vez mais em bairros próprios e nasce uma consciência
racial que desembocaria nos movimentos pelos direitos civis dos anos 60.
No mundo da música, o
esquecido Blues regional cede espaço para um som nitidamente urbano, marcado
pela presença de um novo ingrediente: a guitarra elétrica. Novas gravadoras
abrem suas portas e outros bluesman passam a dominar a cena. Em Memphis, agora
a capital da região do Delta do Mississipi, garotos como B. B. King, Elmore
James, Sonny Boy Williamson e Howlin' Wolf dão seus primeiros passos. Em
Chicago, surge outra leva de gênios.
Lá nasceu a parceria
de Muddy Waters e Willie Dixon, que rendeu frutos como os clássicos
"Hoochie Coochie Man", "Mannish Boy" e "Rollin' and
Tumblin'". A cidade ainda viu surgir Little Walter, Otis Rush, Magic Sam e
Buddy Guy.
Nos anos 50, o rock'n'roll
explode, uma célebre frase resume bem essa situação: "O Blues teve um bebê
e ele ganhou o nome de rock'n'roll. A partir desta fase, o estilo criado pelos
escravos do sul dos Estados Unidos começou a ser um ingrediente obrigatório na
receita de inúmeros cantores e bandas de Rock. De Elvys Presley a Janis Joplin.
De Roling Stones, Led Zeppellin a Deep Purple, passando por The Doors,
Creedence Clearwater Revival e The Who, todo mundo sofreu alguma influência do
blues, culminando com Jimi Hendrix e Eric Clapton, estes em diversas formações
de banda ou em carreira solo.
Apesar de ter sido um dos
últimos a aparecer, Robert Johnson foi o maior criador do blues do Delta. E sua
vida tornou-se a lenda mais famosa da história do Blues (um exemplo é o filme
"A Encruzilhada"). Johnson nasceu em Hazlehurst, Mississipi, fruto de
uma relação extra-conjugal de sua mãe, abandonada logo depois por seu pai, um
trabalhador rural. Casou-se quando tinha 16 ou 17 anos. Depois da morte de sua
mulher, sua vida mudou completamente: Johnson se entregou ao Blues, primeiro
tocando gaita e depois violão. Ele logo começou a viajar pela região do Delta,
apresentando-se em todo tipo de lugar.
Quando sua fama começoo a
crescer, o bluesman sumiu por seis meses. Há quem diga que ele viajou pelo país
em busca de seu pai. Mas a lenda conta que, nesta época, Johnson estava
fechando seu acordo com o Diabo. O negócio era simples: em troca de sua alma,
Johnson tornar-se-ia o maior bluesman da área. O próprio músico alimentava a
lenda, compondo canções como "Crossroads" - em que narra seu
"encontro" com o demo numa escruzilhada - e "Devil Blues".
De fato, ele gravaria suas músicas logo depois e viveria um breve período de
sucesso. Mas Johnson morreu com apenas 24 anos, em 1938. As testemunhas de sua
agonia colocaram ainda mais lenha na fogueira. O bluesman teria caído de
joelhos, latido e uivado como um cão antes de morrer, sem nenhuma causa
aparente. Já os historiadores acreditam que Johnson foi envenenado por um
marido traído. Seja como for, o mito eternizou-se. Desde então, Robert Johnson
passou a ser venerado por todas as gerações de músicos de Blues. Seus discos
são item obrigatório em qualquer coleção do estilo e suas músicas foram regravadas
incontáveis vezes.
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